Durante séculos contou-se o "Era uma vez..." da bravura e ética dos heróis, no calor duma fogueira. Histórias essas que evoluiram e viajaram ao sabor da dinâmica da História, assustando crianças e adultos para as consequências das más acções. Os mais velhos passavam, em lições de vida, a virtude e a moral de personagens com a idade dos mais novos, alertando-os para o perigo de se perderem na floresta, serem ingénuos ou falarem com estranhos, abordando a violação, a morte ou a mutilação que os arredaria da idade adulta e do "...felizes para sempre". Malvadas madrastas e crianças autosuficientes são marcas de tempos de longas guerras e mortalidade infantil.
Ao subir aos salões, as histórias perderam em violência o que ganharam em volúpia, o perigo, agora, é acordar na floresta com uma roupinha fora de moda, deixar para trás um sapatinho tão comum que impeça conhecer-se-lhe a dona ou acabar-se cozinhado em molho gourmet. A sátira e o simbolismo abalam as convenções sociais, revelando indiscrições nas cortes e exilios forçados, a piedade e a caridade em troca da ascensão social do respeitoso e glorificado povo e o amor pela disformidade e as bestas em oposição aos casamentos arranjados.
A modernidade trouxe ratos orelhudos e heróis em poliéster, personagens, de ajuda, desesperados, prelúdios músicais, momentos cómicos e finais felizes. O caracter do herói é imaculado e não mata em sua defesa, o vilão é afastado e só morre por descuido ou porque atentou contra quem é defendido pelo herói. Esta doçura tem vindo a ser posta de lado por sereias orgulhosas, robots ardilosos e mutantes arrojados. Estas evoluções tem influenciado a sociedade e são ao mesmo tempo o seu espelho, em todas as ambiguidades. E nós gostamos!